Muito Além de Rodas e motores
O adeus a um dos talentos do automobilismo esportivo brasileiro
O esporte motor brasileiro entristeceu-se no dia 2 de outubro de 2023 pelo falecimento de Bird Clemente, um astro e atração como como piloto de corridas e ser humano. Embora famoso por suas virtudes pessoais e esportivas, sempre valorizou os amigos e os via como seres importantes.
Para ele, cada amigo era um astro e não ele porque os valorizava fortemente e sua maior satisfação era recebê-los em sua residência, na Granja Viana, em São Paulo, acompanhado de sua doce esposa, Maria Luiza, que se esmerava para que todos se sentissem muito felizes e transmitissem essa sentimento ao seu marido.
Bird Clemente foi um piloto a quem Deus reservou virtudes importantes. Foi o primeiro piloto profissional brasileiro, com salário e direito a um carro para uso pessoal para transmitir a mensagem de que, se ele o usasse, era porque tinha qualidade.
Ao assinar o contrato logo provocou surpresa, ao se transferir da Vemag para a Willys, convencendo os diretores da nova empresa de que o benefício que iria receber deveria também ser estendido aos outros pilotos da equipe. Na opinião de Bird, não deveria haver benefícios diferenciados e considerava que os companheiros precisavam receber tratamento idêntico.
Nas pistas, Bird Clemente inovou o estilo de pilotagem. Teve a sensibilidade de identificar que a tração e o motor traseiros dos carros de corrida da Willys permitiam uma forma diferente de condução em comparação com os tradicionais automóveis da época, o que o ajudou a fazer curvas com derrapagem controlada e, também, até a reduzir o uso dos freios, resultando em estilo empolgante de pilotagem para admiração e entusiasmo do público.
Inteligente e criativo, quando a Willys lançou um programa denominado Cirquinho, usando os pilotos em exibições de habilidade e demonstração de corridas em cidades do interior de São Paulo e em outros estados, Bird inventou o cavalo de pau de 360 graus, em que o piloto provoca uma derrapagem de giro completo na pista e continua a sua caminhada.
Os shows, por um bom tempo, foram disputados por concessionários porque atraia grande público, com espectadores em cima de muros e árvores para assistir à exibição.
Essa habilidade era a principal atração dos shows da Willys que despertaram o desejo de prefeitos, políticos e empresários importantes das cidades a sentirem as emoções provocadas pelos pilotos.
Bird também foi a principal atração do recorde mundial de resistência do Gordini, que a Willys promoveu por ideia do publicitário e jornalista Mauro Salles para demonstrar a resistência do automóvel na distância de 50 mil quilômetros no Autódromo de Interlagos.
Nessa tentativa, Bird capotou o carro nos primeiros dias da prova. E, por não ter afetado nenhum sistema importante, o automóvel seguiu para quebrar o recorde mundial, mesmo inteiramente amarrotado e sem para-brisa e nenhum vidro para proteção da chuva e do vento. Essa valentia e ousadia valeu ao modelo Willys o nome de Teimoso por ter seguido na prova mesmo completamente deformado.
Para o evento, a Willys reasfaltou todo o anel externo do circuito paulista e construiu nova estrutura de boxes. O desafio começou no dia 26 de outubro de 1964 e dez pilotos, incluindo Bird Clemente, passaram 22 dias em Interlagos andando com o Gordini praticamente sem descanso. No final, completaram 51.233 quilômetros, com a média de 97 km/h, fazendo história para a indústria nacional.
“Eu, o Moco [José Carlos Pace], Chico Lameirão, Danilo de Lemos, Carol Figueiredo, Wladimir Costa, Luiz Pereira Bueno ficamos morando em Interlagos por 22 dias. Tínhamos refeitório, dormitório, sala de lazer…” comentou Bird.
Como piloto, Bird foi vencedor das principais corridas brasileiras, como Mil Milhas Brasileiras, 24 Horas de Interlagos e 25 Horas de Interlagos (esta na companhia de seu irmão Nilson e do gaúcho Clóvis de Morais), e também o Grande Prêmio Air France, no Uruguai, onde conseguiu vencer mesmo contra adversários com carros mais velozes.
Na década de 1970, Bird Clemente decidiu tentar quebrar o recorde brasileiro de velocidade estabelecido anos antes por Norman Casari, no Carcará. Com o apoio da revista Quatro Rodas e do jornalista especializado Expedito Marazzi, usou a rodovia Castelo Branco e atingiu a velocidade de 232,510 quilômetros por hora, mas que não pode ser registrada como recorde oficial porque foi registrada em apenas uma passagem. Uma pane no sistema de cronometragem impediu a segunda passagem prevista no regulamento internacional.
Ao se aposentar das pistas, dedicou-se ao desenho e à literatura, com o lançamento de seu livro Entre Reis e Ases e à produção de retratos de outros pilotos e de alguns profissionais do automobilismo, entre os quais fiz parte de sua coleção.